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June 6, 2014

Indústria naval aquecida

Quarto em tamanho no país, o polo naval de Itajaí e Navegantes, localizado às margens da foz do rio Itajaí-Açu, no litoral norte catarinense, vive um momento de forte expansão. A região, que abriga importantes estaleiros como Navship, Detroit e Keppel Singmarine, ganha ainda em 2014 mais dois empreendimentos importantes — o estaleiro Oceana, do fundo de investimentos P2 Brasil, e uma unidade produtiva do estaleiro holandês Huisman —, além da instalação do estaleiro Arxo, que deve ficar pronto em 2015 para entrar em operação em 2016, e da expansão do Keppel, a ser concluída no ano que vem.

Impulsionado pelo desenvolvimento do setor de óleo e gás, cuja operação em alto-mar demanda cada vez mais embarcações de serviço, a indústria naval do Vale do Itajaí vem se consolidando como um importante produtor de navios de apoio marítimo e offshore, incluindo embarcações PSV de até 100 metros de comprimento e rebocadores altamente especializados, como os azimutais. Dos cerca de 40 estaleiros instalados na região, nove estão dedicados a atividades de construção desse tipo de embarcação.

A expectativa do mercado é de que esse cenário de expansão siga em ritmo forte. Apesar de alguns gargalos a serem resolvidos, como o da escassez de mão de obra, os empresários do setor trabalham com perspectivas de crescimento e enxergam novas oportunidades de negócios, como o da especialização em serviços de reparo. Na Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) existe um comitê de Petróleo e Gás que se dedica também à indústria naval e trabalha para atrair novos investimentos na área.

— É um setor que, apesar das turbulências, está em expansão. Santa Catarina ainda não tem grande tradição nesse ramo do óleo e gás, mas existem várias iniciativas da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em conjunto com a Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), que estão hoje na região sul desenvolvendo comitês das indústrias de petróleo e gás para tentar gerar novos negócios e trazer novos empreendimentos — afirma o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Naval de Itajaí e Navegantes e diretor da Fiesc, Carlos Teixeira.

Entre os novos empreendimentos, o estaleiro Oceana, instalado em Itajaí, é um dos mais aguardados. Prestes a ser inaugurado, será, ao lado do Navship, o mais moderno do polo naval catarinense, com uma área de 310 mil metros quadrados, um dique seco e um cais. A previsão é de que sejam produzidos de quatro a seis navios de apoio marítimo tipo PSVs de médio porte por ano, para atender, incialmente, às demandas da própria Oceana Offshore. Há também a possibilidade de produção de embarcações para outras empresas de navegação. As primeiras entregas estão previstas para 2015.

Por trás do Oceana está o fundo P2 Brasil (parceria entre Pátria Investimentos e Promon), que em outubro de 2013 adquiriu a Companhia Brasileira de Offshore (CBO), no Rio de Janeiro, e o Estaleiro Aliança, em Niterói (RJ). A expectativa é de que o estaleiro produza parte dos PSVs previstos no contrato firmado entre a CBO e a Petrobras. O investimento no estaleiro gira em torno de R$ 670 milhões, sendo R$ 220 milhões do Fundo da Marinha Mercante, para sua construção, e R$ 450 milhões destinados à fabricação das embarcações.

Outro grande investimento é a primeira fábrica do grupo holandês Huisman no continente americano, que deve iniciar as operações em Navegantes até o final do ano. Nela, serão produzidos equipamentos de construção para o mercado offshore brasileiro. São 15 mil metros quadrados de área, incluindo uma baía artificial para proteger as embarcações das variações sazonais do rio Itajaí-Açu. Os primeiros contratos já estão fechados e incluem a construção de três conjuntos de cinco guindastes, com previsão de entrega entre o terceiro trimestre de 2015 e o primeiro de 2017. Os equipamentos vão integrar os navios de perfuração Cassino, Curumim e Salinas, que estão sendo construídos pela Sete Brasil.

Também está previsto até o final deste ano o início da construção do estaleiro Arxo, em Itajaí, um empreendimento da divisão offshore da empresa catarinense Arxo, que atua no desenvolvimento e produção de equipamentos para armazenagem de combustíveis e fluídos. O projeto é de um estaleiro de médio porte — serão 8,1 mil metros quadrados de área construída em um terreno com 15 mil metros quadrados —, com investimento de R$ 30 milhões. Inicialmente, serão produzidos ali equipamentos de grande porte do próprio grupo, que, devido às dimensões, não podem ser transportados por via terrestre. A fabricação no estaleiro proporciona ao Arxo uma saída via rio e mar, facilitando o transporte de tais peças.

O grupo também está de olho no mercado de construção de pequenas e médias embarcações, mas depende do licenciamento ambiental — cujo processo está demorando mais do que o previsto — para iniciar as obras do empreendimento e só então fechar contratos desse tipo. De acordo com o diretor comercial e de marketing do Grupo Arxo, Cidemar Dalla Zen, a empresa possui um projeto para construção de barcaças e já está prospectando negócios. O estaleiro será equipado com pontes rolantes com capacidade de movimentar 100 toneladas e guindastes para até 200 toneladas, permitindo o manuseio de pequenas embarcações.

Para Zen, o cenário de negócios atual é positivo e apresenta oportunidades também em serviços de manutenção e reparo. “O mercado de combustível e petróleo não vai parar e o estaleiro que tiver condições de oferecer serviços e produtos para esse setor terá serviço nos próximos 20 anos. É um mercado que vai precisar de equipamento, de estrutura e de retaguarda. Todas as plataformas que estão sendo construídas, todos os poços perfurados, isso tudo demanda transporte”, observa o executivo. A expectativa é de que o estaleiro entre em operação em 2016 e fature R$ 150 milhões em três anos, após o início das atividades.

Carlos Teixeira, presidente do sindicato local e diretor da Fiesc, destaca outro empreendimento que está movimentando o mercado local. É o consórcio MGT, formado pelas empresas DM Construtora e TKK Engenharia, de construção de módulos de plataforma para exploração do pré-sal. Instalado no terminal Teporti, em Itajaí, a empresa assinou um contrato de cinco anos para fabricação dos 18 módulos para FPSO (P-67 a P-71). As construções começaram ano passado e as primeiras entregas devem ocorrer a partir de julho.

Os estaleiros mais antigos também estão investindo na região. Em março desse ano, a multinacional singapuriana Keppel Singmarine anunciou o investimento de US$ 80 milhões na expansão da unidade de Navegantes. A ideia é ampliar o píer de 100 metros para 300 metros e construir um dique seco. Após a conclusão das obras, prevista para o terceiro trimestre de 2015, o espaço terá capacidade de produzir até três embarcações de apoio por ano, além de módulos para plataforma offshore. Essa é a segunda fase de modernização do estaleiro, adquirido pelo grupo em 2010. Até o momento, foram investidos aproximadamente R$ 200 milhões, incluindo o valor pago na aquisição das instalações.

Instalado em Itajaí desde 2002, o Detroit é líder na América Latina em construção de rebocadores e LHs. A carteira de encomendas da empresa tem projetos de PSVs 4500 e LHs 5000 previstos até 2018. Neste ano serão entregues três PSVs e dois LHs, além de dois rebocadores já entregues ao armador Tug Brasil. A maioria dos contratos é com a Starnav Serviços Marítimos, empresa brasileira de navegação do Grupo Detroit, que foi contemplada nas quinta e sexta rodadas do Programa de Renovação da Frota de Embarcações de Apoio Marítimo (Prorefam) para construção de nove embarcações.

O diretor administrativo e financeiro corporativo do Detroit, Juliano Zimmermann de Freitas, está confiante com as perspectivas que se desenham para o setor nos próximos anos, especialmente em relação à infraestrutura. “Pelas necessidades de crescimento do país e importante papel desempenhado pelo Brasil no cenário mundial, confiamos na manutenção e ampliação da política nacional de desenvolvimento de infraestrutura. Isso requererá a renovação da estrutura portuária nacional, bem como investimento e desenvolvimento de hidrovias para escoar a produção de commodities. Tudo isso, somado ao plano de investimentos da Petrobras, que esperamos que seja mantido, deverá confirmar o segmento dos estaleiros de apoio marítimo como o mais requisitado e eficiente da construção naval nacional”, aposta Freitas.

A concentração de estaleiros de empresas multinacionais traz junto uma exigência maior em relação à padronização internacional. Por isso, a cadeia de fornecedores de navipeças e outros produtos voltados para a construção naval começa a investir para atender às novas demandas. Um exemplo é a PJ Engenharia, que atua no fornecimento de navipeças para construção naval, além de estrutura para estaleiros e portos. “Os estaleiros estão trazendo uma cultura de engenharia muito forte, de normalização e padronização técnica internacional. Por isso, estamos investindo em equipamentos mais precisos, mais confiáveis e de acordo com o que está sendo exigido hoje”, afirma o diretor administrativo da PJ, Marcos Antonio Polli, que também integra o Comitê do Petróleo e Gás da Fiesc.

A expansão do setor na região também impulsiona o crescimento dos contratos dos fornecedores. “Temos experimentado um crescimento regular de 15% a 25% ao ano, e esperamos que isso se mantenha. Nossa estrutura permite atender um crescimento de até 50% sem necessidade de novos investimentos”, continua Polli. Na Weg Tintas, braço da multinacional de origem catarinense Weg, que possui um amplo catálogo de tintas para a indústria naval, o crescimento da participação desse segmento na receita do grupo foi de 6,3% para 6,4%, de acordo com dados divulgados pelo Valor Econômico.

Ainda assim, o setor de fornecedores esbarra em dois gargalos, de escassez de mão de obra e de demanda de produtos, especialmente navipeças. A região tem uma forte concentração de fabricantes de peças para a construção naval — alguns são grandes, como a Weg e a Schottel, fabricante de propulsores marítimos, mas em sua maioria são empresas de médio e pequeno forte. O problema é que em alguns casos não há demanda suficiente que permita às indústrias investir em produção em escala, conforme aponta Carlos Teixeira.

— Existe gente com condições de fornecer navipeças, mas não existe ainda claro qual é a efetiva demanda de navipeça que justifique uma empresa se envolver para produzir alguns equipamentos. Ainda é uma demanda pequena, pois a maioria dos projetos de construção de embarcações são projetos feitos fora do Brasil e o projetista é quem especifica o equipamento”, explica Teixeira. Ele cita como exemplo também a produção de aço naval no Brasil. “Temos indústrias siderúrgicas, mas que não têm interesse em fornecer para a indústria naval, porque o consumo de aço é baixo. O polo metalúrgico de Caxias do Sul consome 80 mil toneladas por mês. A indústria naval consome 100 mil toneladas por ano”, complementa.

Diversas iniciativas têm sido realizadas pela Fiesc, em parceria com o governo do estado, para estimular ainda mais a indústria naval, especialmente no que diz respeito ao setor de óleo e gás. Um estudo recente da Onip, a pedido do Comitê de Petróleo e Gás da federação, mapeou as oportunidades de negócio na região e identificou a possibilidade de se desenvolver a oferta de serviços de reparo de embarcações. A organização sugere que se aproveite toda a cadeia de estaleiros e serviços, com importantes fornecedores locais, a disponibilidade de mão de obra e uma configuração geográfica favorável, com águas abrigadas, para estimular esse tipo de negócio.

— Identificou-se que existe aqui um polo importante de construção de navios e chegou-se à conclusão de que outro foco da região é a parte do reparo naval. Não existe um estaleiro que trabalhe especificamente com reparo, o foco é a construção. Quando (os estaleiros) fazem reparo, é para as próprias embarcações — argumenta Teixeira.

Outro objetivo do comitê é a inclusão de Santa Catarina no Plano Brasil Maior, programa do governo federal de incentivos à indústria brasileira, para que o estado consiga atrair clusters de fornecedores de indústria naval e petróleo e gás. “É uma iniciativa importante, que está prosseguindo, mas que ainda demanda tempo. SC não foi contemplada na primeira etapa do programa. O que se está fazendo agora é mostrar ao governo federal que o estado tem capacidade de formar clusters relevantes de fornecimento para que isso traga politicas de incentivo”, explica Marco Polli, da PJ Engenharia.

Formação de mão de obra qualificada deve se intensificar

Com a forte expansão do setor, um dos principais gargalos é a falta de mão de obra capacitada. Apesar de o Vale do Itajaí ser um importante polo formador de profissionais especializados na construção naval, a escassez de trabalhadores qualificados na região já é uma realidade. Segundo Carlos Teixeira, presidente do sindicato e diretor da Fiesc, o turn over dos estaleiros das duas cidades chega a 10%. Além da demanda local bastante aquecida, a região sofre também com a concorrência de outros polos navais, como o de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, e mesmo o de Pernambuco.

Com a entrada de novos players e o aumento da produção, a tendência é essa situação se agravar. Atualmente são pouco mais de quatro mil pessoas trabalhando diretamente na construção de embarcações, de acordo com os dados de 2013 divulgados pelo Sindicato Nacional da Indústria de Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval). A expectativa é de que esse número dobre em cinco anos. Só o estaleiro Oceana deve gerar cerca de mil novos postos de trabalho. Quando o Arxo passar a operar, serão mais pelo menos 150 empregos diretos, e, com a conclusão da expansão das instalações da Keppel Singmarine, outras 400 vagas devem ser abertas.

A dificuldade está em conseguir formar mão de obra no mesmo ritmo em que a demanda por profissionais cresce. Na região, os principais polos de ensino são a Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Juntas, as duas instituições formam entre 70 e 80 profissionais por ano nos seus principais cursos. Além disso, há algumas iniciativas isoladas, como treinamentos e capacitações realizados pelos próprios estaleiros e o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), que oferece qualificação técnica voltada para a indústria naval, mas cujo último processo seletivo realizado na região foi em 2012.

O curso da Univale é de nível superior, com duração de 3,5 anos e entre 20 e 30 profissionais graduados anualmente, capacitados a atuar como gerentes. De acordo com o coordenador do curso, Roberto Barddal, dos cerca de 330 alunos espalhados pelos sete semestres, 80% já estão empregados. “A falta de mão de obra é tão grande, que nós temos calouros que estão sendo contratados para trabalhar como profissionais, não é nem para estágio. Os estaleiros preferem contratar alguém sem experiência, mas que pelo menos esteja estudando, pois sabem que esse funcionário vai permanecer por pelo menos 3,5 anos na empresa, que é o tempo de duração do curso”, explica Barddal.

Com uma atuação também bastante expressiva, o Senai tem como carro-chefe um curso técnico em construção naval, com duração de dois anos. Com uma procura que já chegou a sete candidatos por vaga, passam por ele em torno de 120 alunos por semestre, dos quais 50 se formam anualmente. Há também a oferta de cursos de aperfeiçoamento em áreas específicas, como a de soldador, e possibilidade de voltar a oferecer cursos de caldeireiro e de eletricista naval, que foram executados através do Prominp.

Para dar conta da crescente demanda por profissionais, a instituição pretende dobrar o número de vagas a partir de 2015. “É importante que se tenha muito mais pessoas se formando do que a necessidade pontual do mercado, para permitir que as empresas consigam realizar processos seletivos e selecionar candidatos, e não sejam obrigadas a contratar apenas quem está disponível”, explica o diretor do Senai em Itajaí, Geferson Luiz dos Santos. Outro projeto da instituição é a construção de um estaleiro escola na unidade de Navegantes, ainda em fase de desenvolvimento, onde serão realizados laboratórios práticos das atividades de construção naval.